“.....Tanto a entrada de serviço do Renner quanto a saída eram
sinalizados por um longo e pungente apito ouvido a longa distância. Os
operários invadiam as ruas uniformizados de branco dos pés à cabeça se dirigindo alegremente ao local de trabalho da cidade...”
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O apito
A cidade
era banhada por um rio caudaloso, de saudável cor vermelha barrenta, ladeado
por uma várzea exuberante de mata nativa. Por ali navegavam as “chatas” e
os vapores com ruídos de progresso que se misturavam à vida saudável das águas de
antigamente.
Foi nessa
terra de outrora que às margens deste rio se instalou uma das maiores
indústrias dos últimos tempos, tendo sua população centrada a trabalhar naquele
local e tê-la como referência de vida e amor a quem lhe dava subsistência.
E assim se tocava a rotina onde
as mudanças de turno da cidade eram ditadas pelo apito de profunda sonoridade
que chegava aos ouvidos de todos da região, embalado em ondas, avisando aos
trabalhadores da fábrica, e ao lugar, que estava na hora de começar a jornada,
ou fazer seu almoço rodeado por familiares em volta da mesa e, por fim, o
desejado “soltar” na tardinha.
No momento em que o sol se deita
sobre o rio, glorioso, tinge com vários matizes o prédio da fábrica imponente
com seus tijolos à vista, deixando em furta-cor cada pedra.
A cada turno apitado, a rua
principal era invadida pelos ilustres coadjuvantes desta história, que rumavam
aos seus lares em plena algazarra de final de dia inundando as ruas com seus
uniformes brancos, sorriso aberto e já na espera.
Uma cidade avançada em anos e já cinzenta recebia
aquela massa branca que se refletia em luz. Ao subir naquele brete focando
minha visão nas alturas do seu término, estonteava e caía para trás, rindo.
Sabe como é, criança se impressiona e não tem muito equilíbrio, se derrubando
sozinha de susto, de tonteira ou só para brincar.
Não era o caso. E larguei a pensar como seria subir
passo a passo, como os bois e porcos, aquela ponte para o sempre, para o
progresso, para a evolução, para a sobrevivência, para alimentar, para
transformar. E aturdia.
Não precisei da imaginação para verificar o destino
dos animais que subiam o brete parecendo que berravam alegremente uns com os
outros, inocentes, se ralando em força dobrada para ir a algum lugar que lhes
indicava o apontador. Olhar e andar em frente, era a ordem. Berrar, urgia. Uma
marretada certeira e o bicho se vai. Tempos antigos.
Vai daí que se imagina o fim, mas é apenas o
começo. Destras mãos iniciam o trabalho de todo dia com a abertura
de uma tarefa que irá se desencadear como uma rima do mais alto andar, o abate,
até o mais térreo. O resultado, a
chegada necessária na mesa de todos.
Desenrolando um fio de
alta performance, os participantes vão demonstrando sua capacidade
de criação e transformação da matéria prima em produto. Os operários com suas
cabeças muito bem apanhadas em alvos gorros brancos, raciocinam e lideram seus
gestos precisos de destrinche, separação, mistura e acondicionamento do que
lhes foi proposto a realizar, finalizando na expedição. Tudo empacotado.