Espiam-se há muitas décadas aqueles
dois, seguindo o curso da vida lado a lado, parecendo um casal que
nasceu para ficar junto até a eternidade. Nas laterais a barranca do Rio,
fértil ainda, apesar do tempo passando e do progresso que insiste em sabotar a
margem, não se dá conta que mata quem lhe dá a vida. A conta corrente do
descaso com Sede no Universo, está bem gorda.
Birrento, o Rio movimenta suas águas em leito
manhoso e muito dengoso recolhe todos os olhares e causos inconfessos contados
às suas margens, porque todos sabem que a barrenta leva adiante, e
em segredo, os sentimentos jogados por quem se aproxima. Um conluio da cidade
com seu caudal afetuoso, porém muito ciumento.
Em sua companhia, lado a lado, o esqueleto da
fábrica se reflete cheio de cores, sempre que tem oportunidade. Agora esguio,
por força das circunstâncias, esquelético e mesmo assustador, não se
constrange em fornecer aos seus, espetáculos de luz e cor quando
recebe os fulgores do sol, da lua e do arco-íris em dias de chuva.
Não deixa por menos quando todas as noites escancara suas entranhas
destroçadas e enferrujadas às luzes do cais e não perde a oportunidade de
demonstrar sua ligação e fidelidade com a beirada, sua cúmplice.
A barranca e o Prédio conversam
em linguagem secreta e criam o elo perfeito entre si, composto das firulas que
se pode ver a olho nu no pedaço de terra que une a ribanceira ao prédio.
Aqueles dois se divertem ameaçando a integridade de ambos em um jogo desafiador
que meneia entre a teimosia e a coragem.
A
antiga fábrica imagina como irá acontecer sua arrebentação com bombas
planejadas, fazendo desabar seus restos um sobre o outro, levantando uma poeira
multicolorida, espalhando pedaços de ferro retorcidos que, heroicos, não
deixaram desabar sozinho o que restou do arrombamento de suas paredes. A
história que vira poeira em segundos. Os dois talvez planejem cair juntos, se
confundindo em uma única massa de água e terra, abrindo uma chaga na cidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário