sexta-feira, 30 de maio de 2025

O ciúme e o Rio - A história irá contar

 


 

Espiam-se há muitas décadas aqueles dois, seguindo o curso da vida lado a lado, parecendo um casal que nasceu para ficar junto até a eternidade. Nas laterais a barranca do Rio, fértil ainda, apesar do tempo passando e do progresso que insiste em sabotar a margem, não se dá conta que mata quem lhe dá a vida. A conta corrente do descaso com Sede no Universo, está bem gorda.  

Birrento, o Rio movimenta suas águas em leito manhoso e muito dengoso recolhe todos os olhares e causos inconfessos contados às suas margens, porque todos sabem que a barrenta  leva adiante, e em segredo, os sentimentos jogados por quem se aproxima. Um conluio da cidade com seu caudal afetuoso, porém muito ciumento.

Em sua companhia, lado a lado, o esqueleto da fábrica se reflete cheio de cores, sempre que tem oportunidade. Agora esguio, por força das circunstâncias, esquelético e mesmo assustador,  não se constrange em fornecer aos seus,  espetáculos de luz e cor quando recebe os fulgores do sol,  da lua e do arco-íris em dias de chuva. Não deixa por menos quando todas as noites escancara suas entranhas destroçadas e enferrujadas às luzes do cais e não perde a oportunidade de demonstrar sua ligação e fidelidade com a beirada, sua cúmplice.

A barranca e o Prédio conversam em linguagem secreta e criam o elo perfeito entre si, composto das firulas que se pode ver a olho nu no pedaço de terra que une a ribanceira ao prédio. Aqueles dois se divertem ameaçando a integridade de ambos em um jogo desafiador que meneia entre a teimosia e a coragem.

A antiga fábrica imagina como irá acontecer sua arrebentação com bombas planejadas, fazendo desabar seus restos um sobre o outro, levantando uma poeira multicolorida, espalhando pedaços de ferro retorcidos que, heroicos, não deixaram desabar sozinho o que restou do arrombamento de suas paredes. A história que vira poeira em segundos. Os dois talvez planejem cair juntos, se confundindo em uma única massa de água e terra, abrindo uma chaga na cidade.

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