terça-feira, 27 de maio de 2025

A Menina, o Prédio e o Rio assistindo a vida



Dia mais ou menos de inverno – sempre ele – que encolhe a pele parecendo que adora se esconder em linhas agregando ao seu conjunto mais quentura, mais aconchego e porque não, mais vida. Ao contrário da epiderme as árvores se despem e se mostram nuas com um despudor singelo, se mostrando como são, com seus variados nós em tronco que demonstram que ali houve uma iniciativa que pode ter sido infeliz ou produtiva, talvez não saibamos. Sua casca à mostra agora esvaídas de seus troncos ásperos evidencia que a natureza não tem vergonha de se exibir, mesmo quando ela não está na plena forma exuberante, mas ensaia e renova a decrepitude natural dia a dia enquanto nós vamos passo a passo conquistando a senescência. 

E foi num dia assim que se encontraram na beirada extrema das alturas em franca deterioração, o Prédio e A Menina, que naquela imensidão solapada de vida volta e meia se deparam com alguma coisa a dizer um ao outro agora parecendo que o diálogo incluiria O Rio. Assim ficaram aqueles dois, hoje abraçados em função da ventania, do eco da vida antiga zunindo com força como sempre acontece nesta estação, uma vez que se encolhem muito tudo, inclusive os humores daqueles três, emparedados pelo destino de ali ficarem até o fim. 

Assim estavam olhando O Rio que parecia se avolumar hora a hora percebendo que o amigo, neste dia, não estava para conversa. A cada minuto ele arrastava com grande desagrado tudo o que não pertencia a um aquífero de sua magnitude, que tinha em seu destino unicamente fazer com que a natureza se privilegiasse com suas margens, que o seu leito fosse servil ao progresso quando carregava as barcas para todos os cantos e que suas profundezas fossem abençoadas pela fauna e flora especifica de sua origem. A ele competia manter e alimentar todos os que faziam parte de sua vida. 

Mas não, por ali estavam sendo deitadas todas as coisas que não lhe pertencia carregar e muito menos de fazer esforço intenso para sobreviver. O Prédio e A Menina perceberam que O Rio estava estafado do lixo no entorno de suas barrancas parecendo querer transbordar em queixas. 

Agora estavam os três naquela beirada arruinada assistindo a vida se alagar barrenta sendo que O Rio e O Prédio se encontravam semimortos vítimas do poder público. Apenas A Menina ainda estava viva e com energia para invenções e confidências em fábulas, única forma de manter vivo o que já se foi.

 

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