terça-feira, 27 de maio de 2025

O Prédio e o Rio se preocupam

 


A Menina estava desconsolada nesta manhã ensolarada e por este motivo, desceu do seu desvão sem que o Prédio a visse e foi se instalar no campinho verdejante nos fundos do terreno, único espaço que ainda tem vida em meio ao amontoado de ferro-velho que persiste de pé, por força da ignorância e do descaso com a cidade. 

Ficou ali sentada alguns minutos tomando fôlego, porque o clima de outrora começava a lhe entrar cabeça à dentro sem que ela pudesse impedir. Não fora bem para isso que ela correu para este lugar, queria mesmo era esquecer, respirar uma biografia.  

Alisou o vestidinho já roto pelas condições de sobrevivência no Prédio e pensando em sua aparência, não se sentiu encorajada a enfrentar aquela turma toda que agora invadia o campo em gritos alegres, acompanhados por muitas outras pessoas, todas em um colorido astral. 

O aparte do povo, dono do campo, deu a ela uma ilusão de que talvez ela pudesse entrar no jogo, levantar sua voz e pedir socorro. Olhou para o Prédio, imenso, um espectro de si, sem alma para lhe bafejar perspectiva desistindo de vez de aparecer por se sentir tão descombinada do todo. 

As marcas da história estavam tão próximas, porém não havia nenhuma eficácia para injetar inteligência ou bravura a quem responsável. Assim, os grupos passavam em frente àquele terreno inanimado, cegos dele, pois desde há muito a paisagem desolada faz parte do cotidiano de todos. Assim é, de tanto ficar ali, se incorpora ao olhar e não incomoda mais. Sequer é notado, muitas vezes. 

Uma cidade que ao se olhar para um lado se vê recortado no céu uma mata nativa que aponta para o infinito sua fauna e sua flora, que vaidosa, oxigena o ar para manter seus circundantes com seus pulmões livres e suas crianças saudáveis. 

De outro instante não se percebe que ao lado esquerdo, na beira da barranca, morre à míngua da irresponsabilidade uma antiga fábrica que não produz mais nada a não ser lembranças e orgulho do que ela representou. 

A Menina ouve um barulho seco, misturado em sons de água correndo com pedaços de ferro e cimento enrolados uns aos outros. São os seus dois Amigos visivelmente preocupados que lhe arrastam pela mão e a levam de volta. Um, a molha por inteiro lhe refrescando a mufa e o outro fere levemente suas mãos sujas. Esses dois irreverentes a lembram de voltar ao lugar que lhe foi reservado para honrar o que outrora era digno e que, neste momento, está destinado à criação de estórias de assombro e denúncia floreada.  

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