Neste ponto se inicia a
narrativa que envolve os três personagens deste Blog: “A Menina, o Prédio e o
Rio” narrado de maneira lúdica e emocionada através de uma fábula. Vera Lucia
criou os personagens que interagem contando a história da fábrica, símbolo de progresso
da cidade Montenegro/RS.
Apesar do dia lindo com um sol bem quentinho iluminando o Rio, e a mim, Prédio, estou sentindo um frio danado que perpassa pelas colunas de cimento, se aloja em todos os buracos que posso entrever daqui e, me parece, vem adernar bem ao meu lado. Intrigado, prestou atenção neste movimento gelado e dou uma pernada até o último andar ficando de frente ao que era o antigo Campo do Renner e a Chácara do Irineu. Assim estou postado, olhando ao longe, quando de mim se aproxima uma menina bem pequena, loira, de olhos azuis que pega na minha mão e diz: eu também hoje estou gelada apesar do sol e do calor.
Ficamos juntos por uns
instantes e a primeira a falar foi ela que, tirando do peito um longo suspiro
me segredou bem baixinho que estava triste porque havia um clima de muita
frieza e distanciamento que a rondava e ela não sabia direito como enfrentar a situação,
uma vez que envolvida estava e também, de certa forma perdida. Disse-me ainda
que estiva difícil de lidar com o imprevisível, uma vez que ela, apesar de
pequena, gostava de andar na vida com certa combinação. Continuou acelerada na
fala infantil com situação de adulta e, agora, baixando mais a guarda
confidenciou que sente um mal estar quando relegada. A menina pequena, tão
sombria em seu raciocínio de gente grande me fez lembrar que não é somente ela
que passa maus bocados.
Pensei que era chegada a hora
de abrir o meu coração para aquela pequena estranha que tão delicadamente veio
postar aos meus pés seus sofrimentos imaginando que eles são somente dela.
Joguei meu mau humor para o lado e decidi desabafar com a menina meus dissabores,
assim teríamos um pacto de força e, mais tarde, sentaríamos na beira do Rio nos
encharcando com sua água poluída por pura diversão. Quem se importa.
Ela continuava apertando firme
a minha mão e me olhava com muita tristeza, quase pedindo socorro. A ajuda veio
quando eu lhe disse que também eu sofro com a minha situação que, ao contrário
da dela - que deverá ser passageira - se arrasta por anos. Avisei que a estória do Prédio é pesada e perguntei se ela aguentaria me ouvir, e ela respondeu que sim, que
eu continuasse. Fiquei um pouco inseguro por conta da pouca idade, mas havia
algo nela que me fazia confiar.
Então contei da minha
situação, de estar ali abandonado a tantos e tantos anos sofrendo o roubo de
algumas partes do meu corpo, um edifício secular e imponente, que pelas mãos
ladinas me transformaram em ruínas. Agora, todos os movimentos em relação à recuperação
são apenas iniciativas de autopromoção, politicagem e barganha de poder.
Exausto da lembrança, perdi o
fôlego e olhei para a menina que sem dizer uma palavra e sem soltar a minha mão
me levou para o outro lado. Deparamo-nos com o Rio, que furioso me fuzilava em
ondas por estar preocupado com o meu sumiço. Ela cochichou ao meu ouvido: não
te preocupa, agora somos três e a companhia é tudo quando podemos contar com
ela.
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