Já se passou quase tudo de barulho, das ventas dos
dias, das águas demais ou de menos e também a calmaria se alojou no entorno do
meu corpo, que segue de pé, como se não houvesse amanhã.
Dei uma espiada bem longa hoje na barranca do Rio, baixei a guarda para espiar
as calçadas em frente e não vi grande movimentação. Como sou alto, dá para
subir no último andar e espiar de muito longe a morada dos arautos de todas as
tribos. Tudo quieto.
Então, resolvi me ensimesmar, olhar para dentro,
caminhar pelos corredores que ainda estão mornos do sol de verão, chutar uma ou
outra carcaça podre que por ventura tenham se alojado no meu bucho e eu não
percebi. Sou grande, velho, e como tal, teimoso. As passadas vão ficando mais
pesadas, porém, o vigor das lembranças renova o meu fôlego e tento buscar
dentro do meu corpo, uma construção secular vilipendiada e destruída pelo
descaso e pela ignorância, a verdade sobre quem fui.
Parei para descansar e sentei-me numa banqueta
improvisada de restos de tijolos que acredito, os larápios esqueceram-se de
carregar. A vista dali rasgava a cidade e por um momento eu vi aquela rua
principal coalhada de uma população que mais parecia um exército de outro
mundo, pois todos estavam de branco, da cabeça aos pés. Apertei o olho para ver
se eu identificava algum dos meus guardiões de quando eu estava vivo, mas era
muita gente.
Levantei-me e segui o passeio arrastando mais os
pés no chão esburacado e, deste jeito, sem querer, fui produzindo um som,
inicialmente um longo apito, e na sua continuação, os acordes de uma vida
industrial produtiva, porém morta. Nesta hora o meu amigo Rio me jogou uma
lufada de água poluída na cara e se enfarpelou em ondas. Ele sempre faz isso
quando eu fico melancólico.
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