sexta-feira, 30 de maio de 2025

Embutidos produtos da esperança

 


Nariz empinado fico ainda buscando na lembrança os cheiros das fábricas de meu pai vindo em primeiro lugar o mais forte, a fábrica de peixe, a que ele se referia como “cheiro de trabalho”, alcunha razoável para o fedorão que assolava a cidade de Rio Grande. Eu, adorava, pois o ar tinha um nome. Era o cheiro da faina e do labor nos mares. E, claro, a cara do meu pai. 

Em franca digressão, volto aqui porque não é deste cheiro que eu quero me referir e sim da porcalhada cor de rosa que subia as rampas do Frigo cumprindo o seu destino em algazarra uníssona.

Novinha ainda eu andava pelos andares da fábrica observando a feitura das gostosuras percebendo que de tudo se aproveitava do animal, inclusive todo o seu bucho e pontas do corpo.

A formação da massa que iria engrossar os produtos mais diversos passava pela cozinha da fábrica, comandada pelo meu pai, que adicionava às partes compostas seus temperos, até ficar de um sabor que fizesse jus à marca.

No processo se acumulava dentro da tripa, esfarelados e picados, um anel do rabo enrolado do porco, a ponta da orelha, o restolho de focinho, uma quilha da pata, uma fatia de graxa e uma raspa de couro. Tudo entubado na tripa original do bicho.

Estas lembranças e muitos cheiros e sabores ainda vagam no imaginário dos Montenegrinos que viveram esta época. E muito mais na daqueles que se defrontam, todo dia, com o edifício teimoso ainda de pé.

Agora se formou uma longa tripa composta de esperança, atochada de ingredientes como a saudade, o respeito, suspiros e relatos montando a história. Viscosa por estar hidratada de lágrimas ela se enrosca por entre vigas.

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