O Prédio tomou a palavra e neste dia estava rouco de tanto vociferar contra o destino que lhe faz ficar em pé quando gostaria de estar deitado, que o faz enregelar-se no inverno uma vez que suas paredes estão escancaradas. Não pode fechar portas porque elas inexistem, ficando impossível fugir dos fantasmas que lhe agouram dia e noite assim como o persegue o trânsito da demolição natural que avança, deixando-o sempre alerta uma vez que tudo pode ruir em seu entorno sem aviso prévio.
As vozes de outros tempos continuam perpassando por entre muros e as risadas da família lhe chegam aos ouvidos com ruidosa alegria. O Prédio se sente triste por ter tido seu futuro interrompido, mas se sente pior ainda por nada poder fazer, por depender de um estado que se utiliza de imagem decrépita para construir promessas sem fundamento, bem na época que se avizinha, quando todos vêm até a beirada do rio para apontar para ele e discursar.
O Rio o interrompeu e lavrou sua indignação porque estava parecendo que haveria mudanças no curso do seu leito já tão espezinhado e maltratado pela própria natureza humana. Agora estão pensando em fazer interrupções para que ele não se derrame mais pela cidade sem controle. Sua choradeira destrambelhada vai tomar outro rumo com dimensões ainda não bem sabidas.
E
ali estavam os três na barranca cada um com sua pauta queixosa. A Menina
suspirou profundamente e ao fechar os olhos lembrou-se do cheiro das águas
barrentas do rio quando sua mãe e seus irmãos ali se banhavam. Parecia sempre
que a correnteza estava protegendo seus nados de margem a margem. Lembrou que a
vida anda e muda como as águas do amigo que nunca são as mesmas e, agora,
estavam os três tendo que conviver com os novos dias que ora se apresentava sem
solução. A Menina sorriu, fechou a roda e propôs que aproveitassem a ocasião
uma vez que nada é para sempre.
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