sexta-feira, 30 de maio de 2025

O apito

 


“.....Tanto a entrada de serviço do Renner quanto a saída eram sinalizados por um longo e pungente apito ouvido a longa distância. Os operários invadiam as ruas uniformizados de branco dos pés à cabeça se dirigindo alegremente ao local de trabalho da cidade...”

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O apito

A cidade era banhada por um rio caudaloso, de saudável cor vermelha barrenta, ladeado por uma várzea exuberante de mata nativa. Por ali navegavam as “chatas” e os vapores com ruídos de progresso que se misturavam à vida saudável das águas de antigamente. 

Foi nessa terra de outrora que às margens deste rio se instalou uma das maiores indústrias dos últimos tempos, tendo sua população centrada a trabalhar naquele local e tê-la como referência de vida e amor a quem lhe dava subsistência. 

E assim se tocava a rotina onde as mudanças de turno da cidade eram ditadas pelo apito de profunda sonoridade que chegava aos ouvidos de todos da região, embalado em ondas, avisando aos trabalhadores da fábrica, e ao lugar, que estava na hora de começar a jornada, ou fazer seu almoço rodeado por familiares em volta da mesa e, por fim, o desejado “soltar” na tardinha.   

No momento em que o sol se deita sobre o rio, glorioso, tinge com vários matizes o prédio da fábrica imponente com seus tijolos à vista, deixando em furta-cor cada pedra. 

A cada turno apitado, a rua principal era invadida pelos ilustres coadjuvantes desta história, que rumavam aos seus lares em plena algazarra de final de dia inundando as ruas com seus uniformes brancos, sorriso aberto e já na espera. 

Uma cidade avançada em anos e já cinzenta recebia aquela massa branca que se refletia em luz. Ao subir naquele brete focando minha visão nas alturas do seu término, estonteava e caía para trás, rindo. Sabe como é, criança se impressiona e não tem muito equilíbrio, se derrubando sozinha de susto, de tonteira ou só para brincar.

Não era o caso. E larguei a pensar como seria subir passo a passo, como os bois e porcos, aquela ponte para o sempre, para o progresso, para a evolução, para a sobrevivência, para alimentar, para transformar. E aturdia.

Não precisei da imaginação para verificar o destino dos animais que subiam o brete parecendo que berravam alegremente uns com os outros, inocentes, se ralando em força dobrada para ir a algum lugar que lhes indicava o apontador. Olhar e andar em frente, era a ordem. Berrar, urgia. Uma marretada certeira e o bicho se vai. Tempos antigos.

Vai daí que se imagina o fim, mas é apenas o começo.  Destras mãos iniciam o trabalho de todo dia com a abertura de uma tarefa que irá se desencadear como uma rima do mais alto andar, o abate,  até o mais térreo. O resultado, a chegada necessária na mesa de todos.

Desenrolando um fio de alta performance, os participantes vão demonstrando sua capacidade de criação e transformação da matéria prima em produto. Os operários com suas cabeças muito bem apanhadas em alvos gorros brancos, raciocinam e lideram seus gestos precisos de destrinche, separação, mistura e acondicionamento do que lhes foi proposto a realizar, finalizando na expedição. Tudo empacotado.


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