A Menina, neste dia, não queria
conversa com seus amigos preferidos, o Prédio e o Rio, e não sabia exatamente
qual o motivo, afinal, ela veio parar ali na construção aos pedaços, porque
tinha certeza que a cidade gostaria de ter nos escritos as lembranças do que
fora aquela fábrica. Apesar dos desmandos.
Sentia-se
encabulada e então resolveu rodar por entre muros sorrateiramente, como as
lembranças que ela tinha. Voltou pequena, mas a sua alma tinha dentro uma vida
inteira que ora se acabrunhava, ora se engrandecia, mas era mesmo bem difícil
viver ali, entre tantos acontecimentos mal costurados, feridas autônomas e
vorazes na lembrança.
Achou
melhor pegar o elevador e descer, pois a casa onde nascera estava ao lado do
prédio e restava inteira. Quando entrou na coluna que antes abrigava o imenso
elevador, teve uma tontura forte, uma vez que entrou no túnel do tempo e a
faina do dia a dia da fábrica lhe parecia muito real. Imediatamente começou a
reconhecer os operários que com ela circulavam naqueles tempos em que, por um
período, pode trabalhar na fábrica. Carros cheios de matéria prima entravam e
saiam misturados a embalagens e aquele cheiro característico de um ambiente de
agito e organização.
Mas
o melhor deste insight foi a oportunidade de entrever as conversas com os
operários, muitos dos quais a carregaram no colo, empurraram o carrinho de bebê
até a beira do Rio, quiçá apontando quais travessuras ela poderia fazer por
ali, quando crescesse. Acho que alguns velaram seu sono, uma vez que a Menina
não gostava de sair do seu reduto desde bebê. Assim, os outros iam e ela ficava
com quem ali estivesse para tomar conta dela. Pensando bem, era muito bom ser
criança e filha do patrão.
Chegou
finalmente no térreo e percebeu que estava corada e já não se sentia tão
aborrecida. Desencorajada, deu apenas uma olhada na casa por fora e, de
repente, sentiu uma vontade muito grande de rever seus amigos. Correu até o Rio
que se acalmou e esgarçou largamente suas águas para que nelas a Menina se
visse refletida, e, ao seu lado, altaneiro, as ruínas do Prédio se abrindo em
sorrisos. Pensou, afinal, que era muito bom estar ali, mesmo não sendo mais a
filha do patrão e descobriu, mais uma vez, que é uma benção poder eternizar
estes dois amigos carinhosos.
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