A Menina despencou-se do esconderijo, toda amarrotada e sonolenta por estar nos últimos dias um pouco mais pensativa do que de costume, mas mesmo assim foi para frente do Prédio para lhe chamar a atenção. Tanto escândalo sacudiu O Rio, que teimoso, ora andava em doce lentidão, pois dias calmos e ensolarados lhe aquecia o leito e suas margens.
Vieram se chegando os dois para perto da Menina agitada e perceberam de antemão que havia noticia quente que saltava pelos olhos da pirralha. E assim foi dada a notícia que em breve o pó seria o novo amigo do Rio. Nem precisou explicar a metáfora porque os dois amigos entenderam a que ela se referia e O Rio também sentiu a censura no seu olhar quando se alvorotou em ondas revoltosas, quase pronto para gretar a barranca e tragar a ruína ainda de pé. Aquietou-se ao perceber que A Menina mantinha uma atitude firme e determinada convidando os dois amigos para pensarem juntos como enfrentar aquele final previsto, mas sempre parecendo tão distante.
Ficaram de pé, olhando a carcaça amontoada de tijolos recentemente aviltada pelos vândalos das tintas de rua, que parece mentira, desfigurava a fachada esburacada. Mas enfim, não havia tempo para chorar as vilanias, agora era hora de preparar o espírito para sumir do mapa físico da cidade, imaginar-se subtraído da paisagem tornando-se um vácuo no céu e pó do chão.
O Prédio animou-se um pouco porque afinal era chegada a hora de evadir-se dos domínios vilipendiados os quais tocou a ele carregar com bravura todos estes anos com criticas sucessivas ao seu estado e sempre impotente para reagir. Ele havia virado um fantasma de estruturas aparentes com dedos em riste apontando para sua situação.
Apesar de todos os pensamentos serem afetivamente promissores em relação ao seu passado, era muito cansativo ter de relevar a lamentação que lhe chegava aos ouvidos arruinados, apesar de elogiosos. Sentia-se como uma nobre vestal decrépita, segurando uma história que já havia terminado há muito.
O Rio era, de longe, dos três envolvidos o mais indignado, vai ver que é por conta de sua natureza de nunca estar com o mesmo humor, uma vez que suas águas ficam passando e assim sua natureza volúvel o faz deitar pensamentos que confundem os outros dois.
Por último, A Menina
confidenciou aos dois, em baixa voz como ela apreciava, que o final aproximado
pedia que O Prédio depois de feito pó fosse convidado pelo Rio para se deitar
com ele, que por sua vez o carregaria em seu leito e, mansamente o distribuiria
pelas suas margens, podendo Ele decidir onde seus pedacinhos iriam atracar, em
que troncos iria fazer um descanso, em quais folhas se abrigaria podendo também
se esconder das dragas que vez ou outra fazem a varredura do fundo do Rio
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